3- Exposição Permanente “A Brincar e Já a Sério; Bonecas do Sudoeste de Angola”

BONECAS DO SUDOESTE ANGOLANO

Apresentação

A coleção de bonecas do Sudoeste Angolano existente no Museu Nacional de Etnologia consiste num conjunto diversificado de oitenta e três exemplares provenientes de vários grupos culturais.
As bonecas desta região, que cedo começaram a ser recolhidas por missionários, administradores, exploradores, aventureiros e, mais tarde, etnógrafos e antropólogos treinados, são marcadas por uma tripla pertença: esfera feminina, esfera infantil e esfera ritual. Algumas serão amuletos de fecundidade, usadas por mulheres e raparigas em busca da concretização da maternidade; outras serão brinquedos de menina. Esta ambiguidade torna-se o seu maior trunfo, por abrir várias portas à imaginação.

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Grupos Culturais

As bonecas são provenientes de dez grupos culturais diferenciados, enquadrados em três grupos étnicos bantos – ovambo, nyaneka-humbis e hereros – e um grupo não-banto – mutuas.
O grupo etnolinguístico nyaneka-humbi é o mais representado, e dentro dele o grupo cultural mwila. Existem ainda exemplares oriundos dos kwandos e mundas, grupos sob influência nyaneka-humbi/ herero.
Foi da maior relevância levar em consideração a informação, mesmo que escassa, proporcionada pelo coletor de cada boneca. Os diferentes grupos são caracterizados por seguirem modos de vida entre a pastorícia, a pastorícia transumante e a agricultura, o que lhes confere variados graus de mobilidade e um estabelecimento de diversas relações inter-grupais difíceis de reconstituir na atualidade, tendo sido com alguma flexibilidade que associámos o local de recolha das bonecas aos respetivos grupos culturais.

 Os ovambo são um grupo etnolinguístico localizado nas regiões de pastagem seca do norte da Namíbia e do sul de Angola. A sua economia baseia-se quase igualmente na agricultura e na criação de gado, complementada pela pesca, caça e coleta. Milho-miúdo (ou painço) e sorgo são as espécies mais extensamente cultivadas. Todos os grupos possuem gado, vacas, ovelhas e cabras, sendo as vacas de particular importância para os pagamentos inerentes ao casamento, e para a produção de leite e manteiga (adaptado de Encyclopaedia Britannica, 2010).
Os kwanyamas são o grupo cultural numericamente mais importante (Estermann, 1960a: 77, 80 e 81).

Os Nyaneka-humbis é considerado um dos mais antigos grupos étnicos do país. O seu modo de vida e a sua economia dividem-se entre a criação de gado e a agricultura. Como nos ovambo e hereros, o gado reveste-se de uma grande importância simbólica. Adornam os seus corpos com braceletes metálicas finamente gravadas e usam elaborados penteados.

Os hereros originalmente subsistiam do leite e carne de grandes rebanhos de vacas, ovelhas e cabras, que alimentavam nas pastagens pontuadas de árvores; posteriormente ao contacto com europeus, a partir de meados do século XIX, alguns grupos adotaram também a horticultura.
Como os nyanekas, também os hereros exercem a arte de adornar o corpo. António Carreira refere os chimbas e ndimbas como grupos minoritários, e de fixação instável devido aos períodos de transumância.

Os kwandos não compartilham um território geográfico bem definido e são bastante mais numerosos (cerca de 2000 indivíduos) que os mundas (cerca de 300 indivíduos). As afinidades culturais entre estes dois grupos culturais fazem com que os grupos vizinhos não cheguem a distingui-los.

A existência de bonecas provenientes dos mutua (grupo não-banto) poderá estar relacionada com as ligações que este grupo cultural estabeleceu com outros grupos, nomeadamente bantos nyaneka ou herero. António Carreira descreve relacionamentos entre os mutua e outros grupos culturais como tendo por base uma anterior relação de escravidão.

Tipos de Bonecas

AG849D_smallBonecas kwanyama okana

São dezoito bonecas kwanyamas (ovambo) que formam um grupo muito homogéneo em termos de materiais constituintes: definidas por uma semente de duplo bojo; o seu estrangulamento apresenta uma saia, e um número variável de saiotes.
Em 1966, na sua segunda missão, em que pela segunda e última vez coleta bonecas deste tipo, António Carreira anexa a seguinte informação: “Estas bonecas são usadas por raparigas solteiras, e por casadas até ao nascimento do primeiro filho. O fruto empregado chama-se Dunga, da árvore Mulunga” (ficha de inventário da boneca MNE: AG.853).

AP039D_CustomBonecas kwanyama corpo

Este grupo agrega duas bonecas com uma figura mais antropomorfa. Estas bonecas apresentam trajes que em tudo são semelhantes aos usados pelas kwanyamas (ovambo). No relatório de campanha, António Carreira refere que “[os kwanyamas] deixaram já de usar vestes (…) em peles. A mulher cuanhama usa presentemente o tecido europeu, uma espécie de antigo pano de colchão, que tingem de encarnado, e a que dão o nome de malápe”. Ou, de outra maneira: tendo como nota dominante o vermelho, os elementos característicos para o traje das kwanyamas consistem em saiotes rodados de riscado (odeleles, Santos, 1965: 129), duplos ou triplos, variando o comprimento conforme as idades; e à frente num avental do mesmo riscado.
O penteado feito com missangas da boneca AP.039 representa provavelmente também o penteado chamado elende que se faz um tempo antes da festa de puberdade (efundula) das raparigas.

AA398D_CustomBonecas carolo de milho

Existem dezanove bonecas deste tipo provenientes dos dois grupos etnolinguísticos nyaneka-humbi e herero (sendo também possível estabelecer relações de afinidades com outros grupos culturais não representados na colecção).
No seu estudo sobre o grupo etnolinguístico nyaneka-humbi, Alphonse Lang, um missionário nos princípios do século XX, referencia estas bonecas: “[u]m carolo de milho vestido como elas [meninas] faz a vez de boneca. Dependendo das estações, as fibras disponíveis ou as barbas do milho formam a sua cabeleira. Esta boneca é carregada sobre as costas, tal como uma criança de peito. Entre companheiras, elas emprestam-nas e recebem-nas com um pequeno presente. Quem toma a boneca nas mãos, mesmo só para olhá-la, deve devolvê-la com uma prenda” (Lang, 1938: 23).

AH049D_CustomBonecas tronco

Este conjunto reúne bonecas caracterizadas por uma mesma estrutura – um toro de madeira –, envolvida, a maioria delas, por uma malha entrançada. Por cima da referida estrutura cada boneca apresenta uma composição de variados elementos, configurando um traje e diferentes adornos. Em muitas figuram seios, e todas elas exibem complexos penteados, construídos em diferentes materiais – fibras vegetais, cabelo natural, missangas, botões, tachas, correntes ou alfinetes metálicos, etc. É o conjunto que reúne mais bonecas, quarenta e duas, tendo sido adquiridas por vários colectores e em diferentes contextos.
O grupo cultural mwila (nyaneka-humbi) é um dos seus principais produtores.

5Bonecas mwila barro

Este conjunto é composto por duas bonecas provindas do mesmo grupo cultural, mwila (nyaneka-humbi), e tendo o mesmo material constituinte: barro pouco cozido.
A boneca AP.071 apresenta o penteado omalunyonga, típico da mulher casada com filhos, usado por este grupo, onde os pedaços de cana simbolizam a fertilidade e também representado em bonecas tronco.
Entende-se o interesse por uma análise dos penteados das diversas bonecas, com o objectivo de perceber que estatuto/estado social figura em cada boneca, ou, invertendo a questão, que pessoa pretende cada boneca representar.

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